domingo, 9 de novembro de 2008

É necessário uma Igreja para ser cristão?

Pregador do Papa: É necessário uma Igreja para ser cristão?

Zenit

Comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap., pregador da Casa Pontifícia, sobre liturgia deste domingo, 9.

Dedicação da Basílica de São João de Latrão - Catedral de Roma
Ezequiel 47, 1-2.2.8-9
Salmo 45
I Coríntios 3, 9-13.16-17
João 2, 13-22

Esta é a casa de Deus!

Este ano, no lugar do XXXII domingo do Tempo Comum, celebra-se a festa da dedicação da igreja-mãe de Roma, a Basílica de São João de Latrão, dedicada em um primeiro momento ao Salvador e depois a São João Batista. Que representa para a liturgia e para a espiritualidade cristã a dedicação de uma igreja e a própria existência da igreja, entendida como lugar de culto? Temos que começar com as palavras do Evangelho: "Mas chega a hora (já estamos nela) em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, porque assim quer o Pai que sejam os que o adoram".

Jesus ensina que o templo de Deus é, em primeiro lugar, o coração do homem que acolheu sua palavra. Falando de si e do Pai, diz: "viremos a ele, e faremos morada nele" (João 14, 23). E Paulo escreve aos cristãos: "Não sabeis que sois santuário de Deus?" (1 Coríntios 3, 16). Portanto, o crente é templo novo de Deus. Mas o lugar da presença de Deus e de Cristo também se encontra "onde estão dois ou três reunidos em meu nome" (Mateus 18, 20). O Concílio Vaticano II chama a família de "igreja doméstica" (Lumen Gentium, 11), ou seja, um pequeno templo de Deus, precisamente porque, graças ao sacramento do matrimônio, é, por excelência, o lugar no qual "dois ou três" estão reunidos em seu nome.

Por que, então, os cristãos dão tanta importância à igreja, se cada um de nós pode adorar o Pai em espírito e verdade em seu próprio coração ou em sua própria casa? Por que é obrigatório ir à igreja todos os domingos? A resposta é que Jesus não nos salva separadamente; veio para formar um povo, uma comunidade de pessoas, em comunhão com Ele e entre si.

O que é a casa para uma família, é a igreja para a família de Deus. Não há família sem uma casa. Um dos filmes do neo-realismo italiano que ainda recordo é "O teto" (Il tetto), escrito por Cesare Zavattini e dirigido por Vittorio De Sica. Dois jovens, pobres e enamorados, se casam, mas não têm uma casa. Nos arredores de Roma, após a 2ª Guerra Mundial, inventam um sistema para construir uma, lutando contra o tempo e a lei (se a construção não chega até o teto, à noite será demolida). Quando no final terminam o teto, estão certos de que têm uma casa e uma intimidade própria e se abraçam felizes; são uma família.

Vi esta história se repetir em muitos bairros de cidade, em povoados e aldeias, que não tinham uma igreja própria e tiveram de construir-se uma por sua conta. A solidariedade, o entusiasmo, a alegria de trabalhar juntos com o sacerdote para dar à comunidade um lugar de culto e de encontro são histórias que valeriam a pena levar às telas como no filme de De Sica...

Agora, temos que evocar também um fenômeno doloroso: o abandono em massa da participação na igreja e, portanto, na missa dominical. As estatísticas sobre a prática religiosa são para fazer chorar. Isto não quer dizer que quem não vai à igreja necessariamente perdeu a fé; não, o que acontece é que se substitui a religião instituída por Cristo pela chamada religião "a la carte". Nos Estados Unidos dizem "pick and choose" (pegue e escolha). Como no supermercado. Deixando a metáfora de lado, cada um forma sua própria idéia de Deus, da oração e fica tranqüilo.

Esquece-se, deste modo, que Deus se revelou em Cristo, que Cristo pregou um Evangelho, que fundou uma ekklesia, ou seja, uma assembléia de chamados, que instituiu os sacramentos, como sinais e transmissores de sua presença e de sua salvação. Ignorar tudo isto para criar a própria imagem de Deus expõe ao subjetivismo mais radical. Neste caso, se verifica o que dizia o filósofo Feuerbach: "Deus é reduzido à projeção das próprias necessidades e desejos. Já não é Deus quem cria o homem à sua imagem, mas o homem cria um deus à sua imagem. Mas é um Deus que não salva!".

Certamente, uma realidade conformada só por práticas exteriores não serve de nada; Jesus se opõe a ela em todo o Evangelho. Mas não há oposição entre a religião dos sinais e dos sacramentos e a íntima, pessoal; entre o rito e o espírito. Os grandes gênios religiosos (pensemos em Agostinho, Pascal, Kierkegaard, Manzoni) eram homens de uma interioridade profunda e sumamente pessoal e, ao mesmo tempo, estavam integrados em uma comunidade, iam à sua igreja, eram "praticantes".

Nas Confissões (VIII, 2), Santo Agostinho narra como acontece a conversão do grande orador e filósofo romano Victorino. Ao converter-se à verdade do cristianismo, dizia ao sacerdote Simpliciano: "Agora sou cristão". Simpliciano lhe respondia: "Não creio até ver-te na igreja de Cristo". O outro lhe perguntou: "Então, são as paredes que nos tornam cristãos?". E o tema ficou no ar. Mas um dia Victorino leu no Evangelho a palavra de Cristo: "quem se envergonha de mim e de minhas palavras, desse se envergonhará o Filho do homem". Compreendeu que o respeito humano, o medo do que pudessem dizer seus colegas, o impedia de ir à igreja. Foi visitar Simpliciano e lhe disse: "Vamos à igreja, quero tornar-me cristão". Creio que esta história tem algo a dizer hoje a mais de uma pessoa de cultura.